domingo, 10 de junho de 2018

O começo do fim da farra da indústria de refrigerantes. Ou não.

Por João Peres

Em meio a cortes provocados pela greve dos caminhoneiros, governo reduz créditos de Coca
 e Ambev. Basta saber se resistirá a pressões
No meio de uma extensa lista de cortes de programas sociais, ao menos uma notícia favorável ao
 interesse público. O governo federal começou a retirar os subsídios dados à indústria de
refrigerantes. A redução de 20% para 4% na alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) dos concentrados produzidos na Zona Franca de Manaus é um dos resultados da greve
dos caminhoneiros.
Pode parecer estranho que uma redução da carga tributária resulte em aumento de arrecadação.
Porém, o Decreto 9.393, assinado por Michel Temer e publicado no último dia 30 no Diário Oficial
da União, representa uma forte perda para as fabricantes de bebidas adoçadas, em especial para
Coca-Cola e Ambev. Isso porque o crédito a que terão direito por comprar o concentrado produzido
na Zona Franca será bem menor.
A política de incentivos para empresas que compram da Zona Franca faz com que o setor de
refrigerantes chegue a dar prejuízo para o governo, conforme revelamos aqui no Joio. Nosso
cálculo (conservador) é de que ao menos R$ 7 bilhões são dados anualmente ao setor, entre
impostos federais e estaduais. O subsídio gira em torno de R$ 0,15-0,20 por lata, e chega a
R$ 0,50 nas garrafas de dois litros.
A Receita Federal tenta há anos dar fim ao esquema, mantido graças a muitas articulações 
políticas. O artigo 153 da Constituição prevê direito a um crédito sobre o IPI pago entre uma
etapa e outra da industrialização. Isso serve para evitar que o tributo se acumule sobre o preço
final. As engarrafadoras que compram concentrados da Zona Franca cobram esse crédito mesmo
sem o pagamento de impostos na etapa anterior.
“Vimos que eram incentivos que geravam efetivamente distorção no sistema, eram benefícios que
não geravam, vamos chamar assim, impacto para toda a sociedade, mas sim muito específico”,
disse o secretário-geral da Receita, Jorge Rachid, durante entrevista coletiva na última semana.
No ano passado, durante audiência pública, o órgão havia manifestado clara contrariedade
com a manutenção da situação.
A expectativa agora é de arrecadar mais R$ 740 milhões até o fim de 2018, valor condizente com
os cálculos apresentados por nós, de R$ 2 bilhões ao longo de um ano. Ainda assim, as empresas
continuarão a contar com incentivos de ICMS, PIS-Cofins e Imposto de Renda – esse último
também  tende a ser afetado com a mudança de tributação, já que a arrecadação geral deve cair.
Como mostramos, quanto maior o valor da nota fiscal emitida, maior o crédito a que se tem direito
na etapa seguinte. Isso funciona como um incentivo ao superfaturamento. Notas fiscais que
obtivemos expõem essa situação. O concentrado da Coca-Cola, quando vendido ao mercado
externo, custa em torno de R$ 70. Quando repassado a empresas no Brasil, chega a valer
até R$ 470.
A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir) se
 disse surpresa com o decreto. “Nos últimos 30 anos o setor se converteu em um dos maiores
 exportadores da ZFM. Nesse período, a indústria brasileira de refrigerantes e de bebidas não
alcoólicas tornou-se responsável por um recolhimento de R$ 10 bilhões em impostos federais,
estaduais e municipais, e emprega direta e indiretamente mais de 1,6 milhão de brasileiros.”
Em outras ocasiões, a Abir conseguiu reverter a medida. Documentos que obtivemos mostram
como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um dos maiores engarrafadores de Coca-Cola
do Brasil, interviu junto ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e conseguiu a edição
de um novo decreto em 2008, quando a Receita tentou frear o esquema.
A diferença é que agora a economia não cresce e o orçamento público está cada vez mais
apertado.
Além disso, a Receita ganhou força na argumentação de que é preciso dar fim ao esquema.
E há muito mais evidências de que as bebidas adoçadas causam mal à saúde. Em todo o
mundo, quase 40 países ou estados já adotaram tributação especial sobre esses produtos
na tentativa de enfrentar os problemas causados pela obesidade.
Desde a década passada, a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras),
que representa algumas empresas menores, trabalha junto ao governo na tentativa de mudar
a situação.
A entidade alega que os créditos provocam um desequilíbrio, já que as empresas que
compram os  concentrados em Manaus acabam por ganhar subsídios bilionários.
A leitura é de que a falência de pequenos e médios fabricantes está atrelada a esse cenário.
“São absurdos os valores em créditos tributários. Essas empresas compensam esses créditos
gerados  na fabricação de concentrados para abater tributos de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Uma atitude simples, que promove justiça ao setor de bebidas brasileiro, e que traz enormes
benefícios aos cofres públicos, merece a atenção de Vossa Excelência”, afirmou Fernando 
Rodrigues de Bairros, presidente da Afrebras.
(fonte: http://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2018/06/o-comeco-do-fim-da-farra-da-industria-de-
refrigerantes-ou-nao/)

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