quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Bomba atômica social: automação, acumulação e desigualdade

É óbvio que a computação eletrônica trouxe grandes benefícios para a vida humana e para a natureza de um modo geral. Mas ela é bem de capital, que gera riqueza a quem a possuiu e alto custo a quem dela necessita.

Por Antônio de Paiva Moura,

No alvorecer do corrente século surgiram muitos estudos sobre o aumento progressivo da desigualdade e da acumulação de renda no mundo. As grandes empresas comerciais, industriais, financeiras e prestadoras de serviços só permanecem atuantes se houver perspectiva de altos lucros. Qualquer sinal de queda no nível da lucratividade, elas paralisam ou diminuem o nível de produção. Muitas vezes, o capital desviado do setor de produção vai para a área financeira legal ou clandestina.

Segundo Chiavenato, a performance econômica das empresas é analisada pelos investimentos e retornos que são registrados, processados e medidos em termos de dinheiro; a busca de obtenção de lucros, índice de rentabilidade. Para obtenção de resultados a empresa seleciona ao máximo o quadro de servidores, deixando somente aqueles que se revelam como talentos, e substituem ao máximo o trabalho humano por instrumentos automáticos.

A automação microeletrônica provocou transformações rápidas no sistema econômico mundial, com reflexo imediato nas performances das empresas e na degradação social. Além do desemprego, a automação provoca a desclassificação de trabalhadores.

Apenas um exemplo para ilustrar essa questão: a empresa de transporte Gontijo, fundada em 1943, já na década de 1990 era dona de linhas que percorriam todos os estados do Brasil. Na agência de Belo Horizonte a empresa empregava seis bilheteiros. Com o uso do computador para emitir passagens, apenas um bilheteiro faz todo o serviço. O serviço mecânico para a frota é terceirizado.

Não é coincidência o fato de a empresa ter chegado ao domínio de mais de 100 linhas interestaduais e transporte de sete milhões de passageiros por ano, contudo, diminuindo o número de empregados nos serviços de apoio.

É necessário chamar a atenção para o fato de que esse é um exemplo entre milhares de situações. Nas duas últimas décadas, as empresas mineradoras encontraram forma tecnológica de multiplicar a extração de minérios e transportá-los com o mínimo de ocupação humana. É óbvio que a computação eletrônica trouxe grandes benefícios para a vida humana e para a natureza de um modo geral. Mas ela é bem de capital, que gera riqueza a quem a possuiu e alto custo a quem dela necessita.

Em janeiro de 2016 Winnie Byanyma, diretor geral da Oxfam Internacional, compareceu ao Fórum Econômico Mundial de Davos para demonstrar os efeitos da 4ª Revolução Industrial desencadeada pelo avanço tecnológico. O pleno emprego de força humana é o melhor meio de dinamizar a circulação monetária e, em consequência, a circulação das mercadorias.  

Em 2012 o prêmio Nobel de Economia, o norte-americano Joseph Stiglitz publicou o livro intitulado “O preço da desigualdade”, tendo tido para tal obra a colaboração do economista italiano Mauro Gallegati. Nessa obra, ele afirma que a classe de 1% mais rica do mundo não é muito afeita ao consumo. Mesmo que o fosse não contribuiria com o desenvolvimento industrial e com o PIB. Somente uma classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia de modo geral.

O enunciado científico de Stiglitz e Gallegati é o seguinte: "quando o 1% mais rico da população concentra 25% da renda a bomba atômica econômica explode, isto é, o capitalismo entra em crise".

Eles demonstram que isso aconteceu em 1929, 1998 e de 2003 a 2008. A descoberta de Stiglitz e Gallegati demonstra que a desigualdade corrói o PIB até matá-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema de concentração é ineficiente. Segundo Bernabucci, este foi o maior ataque teórico e científico ao neoliberalismo.

Com base no enunciado de Stiglitz a perspectiva é de agravamento da crise do sistema econômico mundial com prejuízo para as classes trabalhadoras, com tendência a aumentar e se agravar. Conforme dados divulgados pela Oxfam, a riqueza de 1% da população mundial supera a do restante 99% no balanço de 2015. Diz uma nota da Agência Brasil que o fosso entre a parcela mais rica e o resto da população aumentou de forma dramática durante o ano de 2015. Apenas 62 pessoas no mundo possuem mais bens que a metade de toda a população do mundo.

O estopim da bomba atômica social já está aceso. Ele é visível no aumento da violência interpessoal, nos conflitos de grupos, nos atos terroristas, guerras e multidões de refugiados perambulando pelo mundo. Basta ver sob as marquises e viadutos das cidades o aumento da população de sem tetos. Só na cidade de New York são mais de 80 mil moradores de rua. A superpopulação carcerária também é um forte componente da bomba atômica social.

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
(fonte: enviado pelo autor, publicado originalmente no Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/34169)

Nenhum comentário:

Postar um comentário