Texto escrito por José de Souza Castro:
Na véspera
do fatídico 15 de março, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Sibá
Machado, publicou o seguinte: "Suspeita: Que a CIA esteja coordenando a
Campanha pelo enfraquecimento dos governos da América do Sul 'não
alinhados', tal como fizeram para instalar as Ditaduras Militar nos anos
60. A 'Orquestra é completa'!"
O deputado petista foi ridicularizado – e não só pelo erro de concordância.
Mas
não se pode simplesmente descartar a suspeita. Nem só petistas veem
fumaças nestes nossos céus, do lado de cá das Américas. Mark Weisbrot,
economista dos Estados Unidos que preside a Just Foreign Policy e
codirige o Centro de Pesquisa sobre Economia e Política (CEPR, em
inglês), é um deles. Seus artigos são publicados nos jornais "New York
Times", "The Guardian" e "Folha de S.Paulo" – que, por sinal, até onde
sei, não publicou o último, intitulado "Obama prepara o cerco à
Venezuela".
O jornal paulista, porém, não ignorou o que Weisbrot escreveu em abril de 2013, alertando sobre as mãos dos EUA sobre a América Latina.
Começava
por dizer que "acontecimentos recentes indicam que a administração
Obama intensificou sua estratégia de ‘mudança de regime’ contra os
governos latino-americanos à esquerda do centro, promovendo conflito de
maneiras que não eram vistas desde o golpe militar apoiado pelos EUA na
Venezuela em 2002. O exemplo mais destacado é o da própria Venezuela na
última semana. No momento em que este artigo está sendo impresso,
Washington está mais e mais isolada em seus esforços para desestabilizar
o governo recém-eleito de Nicolás Maduro". E concluía:
"É
bom ver Lula denunciando os EUA por sua ingerência, e Dilma juntando
sua voz ao resto da América do Sul para defender o direito da Venezuela a
eleições livres.
Mas não apenas a Venezuela e as democracias mais fracas que estão ameaçadas pelos EUA.
Conforme
relatado nas páginas deste jornal, em 2005 os EUA financiaram e
organizaram esforços para mudar a legislação brasileira com vistas a
enfraquecer o PT. Essa informação foi descoberta em documentos do
governo americano obtidos graças à lei americana de liberdade de
informação. É provável que Washington tenha feito no Brasil muito mais e
siga em segredo.
Está
claro que os EUA não viram o levemente reformista Fernando Lugo como um
elemento ameaçador ou radical. O problema era apenas sua proximidade
excessiva com os outros governos de esquerda.
Como
a administração Bush, a administração Obama não aceita que a região
mudou. Seu objetivo é afastar os governos de esquerda, em parte porque
tendem a ser mais independentes de Washington. Também o Brasil precisa
se manter vigilante diante dessa ameaça à região."
No artigo mais recente, divulgado no Brasil, há poucos dias, por sites como Outras Palavras,
Mark Weisbrot afirma que no dia 10 de março a Casa Branca deu mais um
passo rumo ao teatro do absurdo, ao declarar "emergência nacional com
respeito à inusual e extraordinária ameaça à segurança nacional e à
política exterior dos EUA que se manifesta na situação na Venezuela" –
como o presidente Obama escreveu em carta que enviou ao presidente do
Congresso, John Boehner.
Acrescenta o economista norte-americano:
"Falta
ver se alguém, do valente corpo de jornalistas que cobre a Casa Branca,
terá coragem de perguntar o que, afinal, o chefe do executivo da nação
mais poderosa do universo pensou que estivesse dizendo na tal carta. O
quê?! Estará a Venezuela financiando iminente ataque de terroristas
contra os EUA? Planeja invadir território norte-americano? Está
construindo bomba atômica?
A
quem essa gente pensa que engana? Alguns alegaram que o linguajar tinha
de ser esse, porque é o que a lei dos EUA exige, para impor a mais
recente rodada de sanções contra a Venezuela. Mas não melhora coisa
alguma alegar, como se fosse defesa, que a lei
norte-americana autoriza o presidente a dizer mentiras à vontade, para
contornar o que não queira confessar.”
Alguém leu alguma coisa sobre isso na imprensa-empresa em língua inglesa? Provavelmente, também nada se leu sobre a imediata reação do
presidente da União de Nações Sul-americanas ao golpe da Casa Branca,
em 10/3: "A Unasul rejeita qualquer tentativa externa ou interna de
interferência que busque qualquer violência contra o processo
democrático na Venezuela."
Washington já esteve envolvida na tentativa de golpe militar,
rapidamente derrotada em 2002, na Venezuela; deu "treinamento,
construção de instituição e outros apoios a indivíduos e organizações
que se sabia estarem ativamente envolvidos no golpe" contra o presidente
Hugo Chávez (golpe que durou apenas algumas horas) – segundo o Departamento de Estado dos EUA.
Os EUA não mudaram sua política para a Venezuela depois daquilo e continuaram a financiar grupos
de oposição naquele país. Assim sendo, nada mais normal do que todos
que conheçam essa história recente e conheçam o conflito entre EUA e
América Latina também no golpe militar de 2009 em
Honduras, imediatamente concluam que, sim, Washington está novamente
envolvida em golpismos para derrubar governo democraticamente eleito.
(...)
Praticamente há 15 anos, sem interrupção, veem-se esforços para
derrubar o governo democraticamente eleito da Venezuela. Por que seria
diferente agora, quando a economia está em recessão e houve tentativa
para derrubar o governo venezuelano ainda no ano passado?
Aliás…
alguém alguma vez ouviu falar de tentativa de golpe para derrubar
governo democrático, independente e progressista na América Latina, na
qual Washington não estivesse metida? Pergunto porque eu, nunca."
E conclui o autor:
"Washington
mostra, frente à América Latina, a face do extremismo. Apesar de
algumas mudanças em algumas áreas da política exterior (por exemplo, a
abertura de Obama em relação ao Irã), a face do extremismo
norte-americano não mudou em nada, desde os dias em que Reagan
'alertava' o país de que os sandinistas nicaraguenses estavam 'a apenas
dois dias de viagem, de carro, de Harlingen, Texas.' Foi ridicularizado
por Garry Trudeau em 'Doonesbury' e por outros chargistas.
A Casa Branca de Obama, Reagan redux, merece o mesmo tratamento."
Tenho
motivos, ao ler Mark Weisbrot (e, por que não, Sibá Machado?), de
sentir-me perdoado por ter escrito neste blog, no dia 5 de fevereiro, um
artigo pouco lisonjeiro, dependendo do ponto de vista, à embaixadora
dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, que continua muito
discreta. E me animo, aos que não leram, a indicar onde pode ser
encontrado e, se possível, não ser imediatamente descartado como mais
uma infundada teoria da conspiração: AQUI.
Muito mais importante, porém, é ler este artigo de Victor Farinelli.
O autor mostra que só neste século 21 ocorreram na América Latina seis
golpes de Estado. Um a cada dois anos e meio. Todos envolvendo
governantes que fizeram alianças com partidos de esquerda ou
centro-esquerda. Atualmente, três países vivem situações simultâneas de
instabilidade institucional: Venezuela, Argentina e Brasil.
O
autor conclui o artigo com otimismo – que compartilho: "Contudo, não
estou apostando em que pode acontecer um sétimo golpe, ou em quão breve
isso poderia ocorrer, ainda que haja os que não acreditam em bruxas mas
sabem que elas existem – e alguns ainda arriscam dizer de que país elas
vêm."
(fonte: blog da KikaCastro)
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