por Altamiro Borges
Durante várias semanas, a mídia colonizada fez o maior suspense sobre o
nome da segunda filha do príncipe William e sua mulher, Kate Middleton,
nascida no sábado (2). Na terça-feira, os herdeiros do trono da
Inglaterra registraram formalmente a criança: Charlotte Elizabeth Diana -
a quarta na linha da sucessão britânica. A TV Globo, com o seu complexo
de vira-lata, deu longos minutos ao anúncio real. Contra esta bajulação
servil, que contagia muitos telespectadores embasbacados, vale ler e
reler a magistral coluna do escritor Luis Fernando Verissimo, publicada
nesta quinta-feira:
Dois destinos
Luis Fernando Verissimo
Você
nasceu num vilarejo da África Equatorial. Não importa o seu nome, você é
uma entre milhares. Além das outras desgraças que a esperavam, você
nasceu mulher. Sobreviver ao parto já foi uma vitória sobre as
estatísticas. Chegar viva à sua idade sem sofrer qualquer tipo de
mutilação foi um milagre. Sua mãe morreu de uma epidemia, você mal a
conheceu. Seu pai você nunca soube quem foi. E seu destino está fixado
nas estrelas. Deve haver uma palavra na sua língua para “destino”. Talvez seja a
mesma palavra para “danação”. Sua biografia já foi decidida, antes de
você nascer. Quem a decidiu você também nunca soube quem foi.
Seu
destino está fixado nas estrelas – mas as estrelas se movem. Não estão
fixadas no mesmo lugar todas as noites. E algumas fogem. Você vê os
riscos que deixam no céu as estrelas que fogem. E você decide fugir
também. Fugir do seu destino. Fugir da danação. É pouco provável que
exista o termo “livre-arbítrio” na sua língua. Você o descobre em você.
Você inventa sua própria liberdade.
E você foge da sua
biografia. Com outros do seu vilarejo, caminha para o norte, para o
Mediterrâneo. Não morre no caminho – outro milagre! Não morre sufocada
no barco abarrotado de fugitivos que atravessa o Mediterrâneo. Não morre
afogada antes de chegar ao seu outro destino, o destino que você
escolheu. E começar outra biografia.
Ou:
Você nasce numa
cidade chamada Londres. Seu nome não só importa como é sujeito de uma
especulação nacional, até ser escolhido. Sua mãe é linda, seu pai é rico
e tem emprego garantido, sua foto provoca êxtases, você já é uma
celebridade internacional. Ah, e um detalhe: você é a quarta na linha de
sucessão ao trono da Inglaterra. Dependendo da disposição das estrelas,
pode acabar rainha. Nada lhe faltará.
Mas mesmo que queira, jamais poderá fugir da biografia que prepararam para você. Danação.
(fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/05/a-filha-da-rainha-e-refugiada-africana.html)
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