Cristina Fontenele - Adital
A exemplo do
que vem ocorrendo na Europa, investigações indicam que o Estado Islâmico (EI)
estaria ampliando a cooptação de integrantes na América do Sul. Os brasileiros também
estariam na lista dos chamados "lobos solitários”. O relatório "Estado
Islâmico: reflexões para o Brasil” teria sido entregue ao Palácio do Planalto pelos
órgãos de inteligência, informando que há um fator de risco para o país. Estudiosos
analisam o que está motivando jovens a se alistarem ao EI.
Em virtude
dos preparativos das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, o governo
brasileiro vem trocando informações com a Casa Civil sobre a questão do
terrorismo. Afirma que o assunto está na pauta de discussão, mas nega
relatórios de inteligência a respeito. Policiais europeus estiveram em Brasília,
em fevereiro deste ano, para trocar informações com o governo brasileiro.
Os "lobos
solitários” são extremistas que não integram a lista internacional de
terroristas, portanto, têm mais mobilidade e podem executar atentados isolados
e imprevisíveis em todo o mundo.
O número de
dissidentes ocidentais que se juntam ao EI aumentou bastante nos últimos anos:
em torno de 3.400, de acordo com autoridades do Exército estadunidense (em
balanço de fevereiro de 2015) e aproximadamente 550 mulheres, segundo
levantamento da consultoria de segurança The Soufan Group, com sede nos Estados
Unidos e no Reino Unido.
Um recente
documentário de uma jornalista francesa, que se alistou disfarçada no EI,
mostra a rotina dos combatentes treinando numa praça de Paris e como o grupo
terrorista recruta jovens europeus.
Uma campanha
de contrapropaganda do Departamento de Estado dos Estados Unidos lançou um vídeo para dissuadir o alistamento de jovens ao grupo terrorista. São imagens
extraídas de gravações que o EI usa para recrutar militantes através das redes
sociais. Com o título "Bem-vindo à Terra do Estado Islâmico”, o vídeo, que
mostra cenas fortes de assassinatos, foi exibido em canais, como CNN, no
Facebook, Twitter, Tumblr e Youtube. Mensagens como "Think again, turn
away" ("Pense de novo, vire as costas") pretendem combater a
fantasia heróica promovida pelo EI.
Em entrevista à Adital, a professora do
curso de Ciência da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Lidice
Meyer, aponta que estamos vivendo uma crise de valores mundiais, com a
juventude buscando valores morais mais rígidos. Essa crise tem afetado o
imaginário juvenil, incluindo o brasileiro, deixando o jovem vulnerável às
promessas do EI.
"É como se
os valores dos pais não servissem mais para a geração atual. Então, o jovem
busca dentro do Islã regras fortes. O jovem questiona os valores dos pais, mas
se deixa seduzir pelo que vem de fora. Na verdade, a busca é por segurança e
apoio.”, observa.
De acordo
com a professora, os jovens veem no Islã a promessa de aventura, a
possibilidade de estarem contribuindo para resolver os problemas sociais.
Assim, eles "dão um sentido à própria vida”. O EI facilita a ida do jovem ao
Oriente Médio, fornece apoio emocional e financeiro. Então, aquele jovem que tem
uma família desestruturada acaba seduzido pelo ideal do grupo extremista. Ele
vê nessa jornada uma forma de "lutar contra o capitalismo que subjuga o mundo”.
Lidice
lembra que, à época da explosão das Torres Gêmeas, em Nova York, em 2001, a
sobrecarga de imagens com cenas do atentado e das pessoas morrendo acabou
despertando o interesse pelo Islamismo.
Mulheres
Existe
também a cooptação voltada, especificamente, para as mulheres. Lidice comenta
que, nas redes sociais, são postadas fotos de jovens em casas bonitas, comidas
saborosas, animais de estimação. "Tudo construindo a ideia de vida normal e até
melhor do que a jovem teria, hoje, em seu país de origem.”, ressalta.
O EI realiza
ainda uma "romanceada” imagem da mulher, como se ela participasse da luta
armada e política em "pé de igualdade” com o homem. A jovem acaba pensando que
"está fazendo bem ao mundo”. É comum a postagem de fotos com mulheres
empunhando armas.
Outro fator
de sedução, de acordo com a professora, é o sonho do parceiro único, "maduro”,
que aguarda uma moça com os mesmos ideais sociopolíticos que ele. A mulher
ainda tem em seu imaginário o casamento com o "herói”, com o "príncipe
encantado”, explica.
A mídia
Lidice
destaca que o maior papel da imprensa deve ser primeiro diferenciar o Islã do
Estado Islâmico (EI). Islã é uma instituição religiosa, EI é uma instituição
política, um grupo terrorista que utiliza o Alcorão de forma fundamentalista.
Como em toda religião, pode haver interpretações fundamentalistas e relações de
violência, a exemplo de que já houve na Igreja Católica e até no Budismo. O EI
não representa o Islã, embora tenha fundamentos religiosos.
A mídia
favorece a propagação, repetidas vezes, de imagens violentas e acaba não
aprofundando a questão. Esse jovem, que já é acostumado com jogos violentos, nos
quais a morte é uma constante, acaba naturalizado com imagens chocantes, como a
de vídeos do EI degolando pessoas. As redes sociais também têm contribuído bastante
para a construção da imagem do EI.
Para a
estudiosa, no Brasil, estamos ficando acostumados com imagens violentas.
Segundo ela, é comum, no Rio de Janeiro, por exemplo, cidade onde já morou, ter
um cadáver na rua e as pessoas passarem normalmente por perto como algo banal.
Diálogo
De acordo
com a professora, ainda no Brasil, vertentes como os sunitas e xiitas não
consideram o EI como representante do Islã e se negam a apoiarem essa facção.
Todos os sheiks que atuam no país pregam a paz, a convivência e a tolerância.
Nessa
perspectiva, não há possibilidade de diálogo entre grupos extremistas e a
religião islâmica. "Uma vez que se consideram os detentores da razão e do que é
certo, o EI não receberia nem o Papa Francisco, se fosse o caso.”, conclui
Lidice.
De um modo
geral, o extremismo do EI tem gerado uma onda de intolerância entre as pessoas
que terminam confundindo religião com terrorismo.
*Lidice Meyer
é professora do curso de Ciência da Religião do Mackenzie Possui Pós-Doutorado
em Antropologia e História pela Universidade de São Paulo (2014) e doutorado em
Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (2005).
Tem experiência nas áreas: antropologia cultural, antropologia da religião,
antropologia bíblica, antropologia para a psicologia, antropologia da nutrição,
ética e cidadania, ciências da religião, magia e religião.
(fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&cod=84874&lang=PT)
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