sábado, 24 de outubro de 2015

Saúde: a Folha esconde o que o Datafolha revela


Pesquisa demonstra: Medicina Privada é pior avaliada pela população que atendimento do SUS. Mas jornal — repleto de publicidade dos planos de saúde — procura disfarçar os dados…

Por Ricardo Rodrigues Teixeira*, na Carta Maior

Nova pesquisa DataFolha indica (publicada na Folha de São Paulo do dia 13 deste mês), mais uma vez, a péssima avaliação da saúde no país. Mas há aspectos importantes dessa pesquisa que, ao apresentar e analisar os dados, o jornal Folha de São Paulo faz contorcionismos para ocultar. Por exemplo, que a saúde privada é pior avaliada que o SUS. Vejamos.

Lendo os dados divulgados notamos que seis em cada dez brasileiros (ou seja, 60%), acham a saúde péssima. Quando só se avalia apenas o SUS, o numero cai para 54% de péssimo.

Quando se avalia a “saúde em geral”, 24% dá nota zero; quando se avalia apenas o SUS, 18% dá nota zero.

A matéria evita comentar (mas pode ser lido nos dados que disponibiliza) que 2% dá nota 10 para a “saúde em geral” e 3% dá nota 10 quando se avalia só o SUS.

E a diferença mais notável: 11% dá nota maior que 7 para a “saúde em geral” e 18% dá nota maior que 7 para o SUS.

Conclusão óbvia, cuidadosamente evitada pela Folha na análise dos resultados: a saúde privada puxa significativamente a avaliação da “saúde em geral” para baixo!

Mas, excetuando o esclarecimento no primeiro parágrafo de que o levantamento envolve a rede pública e privada, no resto da matéria a expressão “saúde privada” nem é mencionada. A comparação é sempre entre a “saúde em geral” e o SUS. Afinal, o objetivo é sempre o mesmo: associar a “péssima avaliação da saúde” ao nome SUS e evitar, a todo custo, de associá-la ao setor privado, mesmo quando é ele que mais contribui para a má avaliação da saúde no país.

Se fosse um jornalismo sério e honesto, lembraria ainda o quanto o setor privado gasta para prestar um mal atendimento a 25% da população (parcela aproximada da população brasileira que tem plano de saúde privado e que gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país, segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde; ou ainda, cerca de R$ 2.200 per capita) e o quanto o setor público tem de recursos para dar atendimento a 83% da população (percentual que referiu ter utilizado o SUS segundo dados deste levantamento do DataFolha) e garantir a saúde coletiva através de medidas que beneficiam indistintamente toda a população (vacinas, vigilância epidemiológica etc.) e, mesmo assim, conseguir ser melhor avaliado (47,5% do total de recursos gastos com saúde no país ou aproximadamente R$ 1.000 per capita).

Outro fato que se pode deduzir dos dados, e que também não é destacado pela Folha, é que se 25% têm plano de saúde e 83% utilizaram o SUS, então o SUS acaba sendo utilizado por muita gente que tem plano de saúde. E aí, se fosse um jornalismo sério e honesto, ela também faria questão de destacar o conhecido calote que os planos de saúde aplicam no SUS, referente aos atendimentos de urgência e emergência, ao tratamento de câncer, transplantes, hemodiálise, entre outros, que os planos negam cobertura e o SUS acaba assumindo (apenas 25% dos valores devidos são ressarcidos ao Sistema Único de Saúde, dessa parte 20% se perde com recursos da justiça, tramitação, prescrição etc.).

Explicitar esses dados reais daria ainda maior dramaticidade à melhor avaliação do SUS comparada à avaliação geral da saúde no país. E nesse caso, a chamada mais justa para matéria seria: “SUS faz mais e melhor com menos recursos que a saúde privada”.

Mas, aparentemente, este jornalismo não é sério nem honesto. Ele não pode ser quando tem compromissos claros com os setores que fazem da saúde um lucrativo ramo de negócios e não um bem público e um direito universal.

*Ricardo Rodrigues Teixeira é médico e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Um comentário:

  1. O resultado desta pesquisa é lógico demais. Quem avalia a saúde privada paga por ela, já quem utiliza o SUS recebe os serviços de graça. Obviamente quem está recebendo de graça tem menos do que reclamar. Quem paga se sente no direito de cobrar mais. Isso não quer dizer que o SUS é melhor que a rede privada de saúde, é só uma questão de nível de exigência.

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