Texto escrito por José de Souza Castro:
Há
assuntos dos quais o leitor só consegue se informar razoavelmente bem
em blogs. O caso Pizzolato é um deles. Quem tentou se informar lendo
bons jornais brasileiros ou ouvindo rádio e televisão ficou com a ideia
de que a Justiça italiana rejeitou o pedido de extradição do
ex-funcionário do Banco do Brasil por causa das alegações da defesa
sobre as péssimas condições carcerárias existentes aqui.
Lendo um artigo do jornalista Miguel do Rosário
no blog O Cafezinho, dia 31 de outubro, entendi finalmente que a
questão das penitenciárias foi a quinta entre as cinco alegações,
numeradas por ordem de importância.
A
primeira, e certamente a mais importante nas considerações dos juízes
italianos, está ligada diretamente ao processo judiciário. Mais
precisamente, a um gritante erro judiciário. Os interessados devem ler o
que escreveu Miguel do Rosário, que resumiu em português as alegações
da defesa e disponibilizou um link para quem quiser ler as 76 páginas em italiano. Não me animei a tanto, mas é possível fazer aqui um breve resumo com base no texto de Rosário.
Em
primeiro lugar, concordo com ele que a sociedade, num ambiente
democrático, pode e deve debater os arbítrios e o próprio mérito das
sentenças de juízes, para evitar que venhamos a cair numa ditadura
judicial. “Não há verdades absolutas numa democracia, e mais ainda em
sentenças judiciais”, escreve Rosário. “Tudo deve ser posto sob o
escrutínio implacável de um debate livre e aberto de ideias.” Sobretudo
no caso da Ação Penal 470 que, para o autor, “é o mais perigoso ovo de
serpente da nossa democracia”.
Por
quê? Por ser um caso em que a Procuradoria Geral da República e o
Supremo Tribunal Federal cederam claramente às pressões de setores
politica e economicamente poderosos no Brasil.
Distante
da pressão da mídia brasileira, a Justiça italiana pôde se debruçar
sobre os questionamentos de todo o processo, feitos pela defesa de
Pizzolato. E certamente não se deixará influenciar pelo indiciamento
dele, feito agora pela Polícia Federal, por causa do uso de documentos
falsos, para fugir do Brasil. Pois qualquer perseguido político tem o
direito de falsificar documentos. Essa parece ser uma verdade
reconhecida internacionalmente pelos tribunais.
E
já não resta dúvida, após o julgamento na Itália, de que Pizzolato é um
perseguido político. Ele foi usado com o objetivo final de enfraquecer e
derrotar o PT, eleitoralmente.
O
Ministério Público acusou 40 pessoas por envolvimento no Mensalão do
PT. Como entre os acusados havia três deputados federais suspeitos de
receberem pagamentos mensais para aprovarem projetos de interesse do
governo Lula, todos acabaram sendo julgados pelo Supremo, que violou
assim o princípio do juiz natural e do direito ao duplo grau de
jurisdição.
O
Supremo seria competente, por certo, para julgar crimes penais comuns
atribuídos a pessoas que ocupam cargos específicos, como presidente e
vice-presidente da República, membros do Congresso Nacional, ministros e
o Procurador Geral da República. Ultrapassar essa competência, se não
foi importante para o STF que decidiu também julgar quem não ocupava
tais cargos na época da aceitação da denúncia, isso foi muito importante
para os juízes italianos que julgaram na Itália o pedido de extração de
Pizzolato. Pois, por maioria, os ministros do Supremo tiraram do
acusado a possibilidade de recorrer da sentença de condenação a outro
tribunal brasileiro. Desse modo, ele foi julgado por um tribunal
incompetente que emitiu uma sentença inapelável.
Além
disso, alegou a defesa de Pizzolato, houve violação do princípio de
imparcialidade do órgão julgador, segundo o qual o juiz que acompanha a
fase de investigação não pode julgar. O ministro Joaquim Barbosa
acompanhou a fase de inquérito e apresentou, como relator, seu relatório
final e também julgou e votou pela aceitação da denúncia apresentada
pelo Procurador Geral da República.
Na
fase seguinte, a da ação penal, ela foi acompanhada por Joaquim
Barbosa, que em 2012 também julgou e votou, acumulando os cargos de
relator, de juiz e de presidente do STF (cargo que assumiu no curso do
julgamento). Exerceu assim um duplo papel incompatível com as garantias
ditadas na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é
signatário, e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Tão
grave quanto isso foi a violação do direito de defesa, pois muitos
documentos e elementos probatórios que teriam retirado as acusações
contra Pizzolato foram negados à defesa com motivações enganosas.
É
bom lembrar que havia pressa em apresentar as denúncias contra os “40
ladrões” – um número fabulosamente bem escolhido, por remeter a Ali Babá
–, antes das eleições de 2006, para dificultar a reeleição de Lula.
(Como houve pressa em concluir o julgamento antes da reeleição de
Dilma.) Desse modo, o Procurador Geral apresentou denúncia contra as 40
pessoas, apesar de saber que as investigações da PF não tinham sido
ainda concluídas. A Polícia Federal continuou as investigações após a
denúncia feita pelo Ministério Público ao Supremo. E acabou apresentando
documentos que demonstravam que Pizzolato, acusado pelos crimes de
peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não era responsável
pelos fatos que foram atribuídos a ele.
O
Procurador Geral, porém, solicitou a Joaquim Barbosa – e este acatou –
que em vez de anexar as provas ao processo para conhecimento da defesa
de Pizzolato, que elas fossem separadas e colocadas num outro processo,
com nova numeração (a de nº 2.474), para ser julgado na primeira
instância, em segredo de Justiça.
Entre
todos os funcionários do Banco do Brasil envolvidos na questão julgada
contra Pizzolato, ele era o único petista. Talvez, aos olhos de Joaquim
Barbosa, essa fosse sua principal culpa.
(fonte: blog da Kika Castro)
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