Texto escrito por José de Souza Castro:
No dia 20 deste mês, o jornal "O Tempo" publicou reportagem de Ana Paula Pedrosa
informando que a prefeitura de Viçosa, na Zona da Mata mineira, revogou
todos os atos administrativos que autorizavam ou davam parecer
favorável à passagem do mineroduto da Ferrous pelo município. "No
decreto, o prefeito Ângelo Chequer alega que o empreendimento causará
‘inúmeras interferências’ ao meio ambiente, com destaque para o prejuízo
aos mananciais", diz o texto.
Vejo
que, aos poucos, vão-se descobrindo os malefícios de um meio de
transporte de minério de ferro -- o mineroduto -- que, se deixado por
conta exclusiva do mercado, sem atenção às questões ambientais, dominará
esse setor no Brasil. Pois, indiscutivelmente, é o meio mais econômico
de se transportar minério. Por enquanto, responde por apenas 5% do setor
no país. Mas, em Minas, avança impetuosamente.
É aqui que se constrói o maior mineroduto do mundo. Já escrevi
sobre as artimanhas que o tornaram possível, envolvendo um dos mais
notáveis empresários brasileiros, Eike Batista. O maior mineroduto do
mundo liga Conceição do Mato Dentro ao Porto de Açu, no litoral
fluminense, e hoje pertence à Anglo American, que comprou o negócio de
Eike e vem procurando um sócio, no momento em que começa a transportar o
minério, em plena crise de água em Minas e no país.
É
em Minas também que surgiu o primeiro desses caminhos fáceis do minério
exportado para o mundo e que deixam para o Estado pouco mais que
enormes crateras. É o mineroduto da Samarco,
do Grupo Belgo-Mineira, que já opera dois minerodutos, com 398
quilômetros de extensão, ligando Mariana a Anchieta, no Espírito Santo, e
se prepara para construir um terceiro. Tem feito propaganda na
imprensa, dizendo como cuida bem do meio ambiente...
Empresas
que pagam pouco em royalties de minério, com a cumplicidade do relator
do novo marco da mineração, deputado Leonardo Quintão, do PMDB mineiro,
que recebeu doações de mineradoras
para sua campanha eleitoral, têm conseguido captar água em rios
mineiros, sem pagar nada por isso. Tudo em nome do desenvolvimento...
Reação em Viçosa
É
interessante saber que se inicia uma reação. Criou-se a Campanha Pelas
Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous. Seu coordenador, Luiz Paulo
Guimarães, diz que, se for implantado, o mineroduto vai impactar 30
nascentes ou mananciais do ribeirão São Bartolomeu, que abastece 50% da
cidade e 100% da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Também vai
impactar o rio Turvo Limpo, que é a alternativa de expansão do sistema
de abastecimento da cidade. Viçosa vive uma severa crise de
abastecimento desde fevereiro e enfrenta racionamento há cerca de 40
dias. O receio é que ocorra em Viçosa, sede da mais importante
universidade rural mineira, o que se observa em municípios onde a Anglo
American implantou o projeto Minas-Rio. Ou seja, aquele maior mineroduto
do mundo.
Em março, "O Tempo" publicou uma série de reportagens,
finalista do Prêmio Esso, mostrando como o empreendimento deixou um
rastro de danos sociais e ambientais. "Quando vimos o impacto do
mineroduto da Anglo, entendemos o que pode acontecer no nosso município.
Isso nós não queremos", diz Luiz Paulo Guimarães.
Viçosa
se prepara bem para a luta. Existe ali também a Comissão Parlamentar de
Enfrentamento à Construção do Mineroduto da Câmara, presidida pelo
vereador Idelmino Ronivon (PCdoB). No dia 13 de novembro, essa Comissão promoveu uma reunião,
com participação de várias entidades municipais, incluindo os Conselhos
Municipais de Defesa do Meio Ambiente (Codema) e de Desenvolvimento
Rural (CMDRS). O prefeito, do PSDB, compareceu. Ele assumiu o cargo no
dia 2 de outubro, após a morte por enfarte do prefeito Celito Francisco
Sari (PR), do qual era vice.
Um
dos participantes, Luiz Paulo Guimarães, criticou o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) apresentado pela Ferrous, segundo o qual seriam
atingidas apenas seis nascentes na região. "No entanto, apenas na Bacia
do São Bartolomeu, trinta nascentes poderão ser atingidas pelo
mineroduto", rebateu.
Parece,
no entanto, que o município pouco poderá fazer. O licenciamento para a
instalação do mineroduto é de competência do Ibama, órgão federal. O
prefeito Ângelo Chequer, ao contrário do colega de Conceição do Mato
Dentro, que, embora filiado ao Partido Verde apoiou o mineroduto da
Anglo American, afirmou que apoiará o enfrentamento ao mineroduto,
"inclusive judicialmente, se necessário for". E comprometeu-se a assinar
o decreto que revogue os efeitos de quaisquer documentos que tenham
sido emitidos pela Prefeitura a favor da obra do mineroduto.
É esperar para ver.
Pega, ladrão!
Enquanto
isso, o maior mineroduto do mundo avança. Ele vai ligar a mina, em
Conceição do Mato Dentro, e a unidade de beneficiamento de minério de
ferro, em Alvorada de Minas, ao Porto de Açu, no Rio de Janeiro. O porto
começou a ser construído em 2007. O empreendimento no Brasil é o maior
investimento mundial da Anglo American, no momento. São 525 km de
tubulação que atravessa 32 municípios mineiros e fluminenses. O
mineroduto começou a ser construído em abril de 2008, pela empreiteira
Camargo Corrêa, que está hoje sob a luz da ribalta no processo da
Petrobras. A tubulação de 26 e 24 polegadas foi fornecida pela Techint,
que a comprou no Japão e na Argentina. Por sinal, bem distantes de
Minas...
Mas
de Minas sairá todo o minério e a água utilizada no transporte pelo
mineroduto. Serão bombeados 1.826 metros cúbicos por hora, dos quais 32%
de água e 68% de minério. Essa mistura, depois de entrar pelo cano rumo
a algum país no estrangeiro, sai de Minas a uma velocidade 1,6 metros
por segundo. É preciso correr, antes que gritem "pega o ladrão".
São
dados da Anglo Ferrous Brazil, que não costuma errar nos cálculos. E
nem poderia, porque há muito dinheiro em jogo. Mas errou. O investimento
começou com a compra do projeto Minas-Rio, das mãos de Eike Batista.
Deveria custar US$ 5 bilhões, mas já passa dos US$ 8,8 bilhões. E há quem fale
em R$ 20 bilhões. O aumento dos gastos previstos e a rentabilidade
menor do que a esperada levaram à demissão, em 2012, da presidente da
empresa, Cynthia Carrol.
Água transformada em lama
Foram
muitos os problemas em Minas, incluindo denúncias de problemas sociais e
danos ambientais. O primeiro embarque de minério para o exterior,
previsto para dezembro do ano passado, atrasou bastante. De fato, não é
fácil conseguir licenciamentos ambientais e de funcionamento de uma obra
dessa natureza. Aliás, absolutamente contra a natureza.
Mesmo assim, as licenças foram concedidas. E, no dia 24 de agosto deste ano,
chegou ao Porto do Açu o primeiro carregamento do mineroduto. O
primeiro embarque em navio está previsto para o final deste ano. As
operações do terminal de minério de ferro do Porto do Açu são
gerenciadas pela joint-venture Ferroport, com participação de 50% da
Anglo American e 50% da Prumo Logística.
Se a reação de Viçosa não surtir efeito, em pouco tempo estará realizada a profecia feita em junho
de 2012: A expansão dos minerodutos em Minas, de três para cinco, vai
levar o Estado a exportar água transformada em lama "em quantidade
equivalente a 30,4% do consumo residencial, industrial e comercial de
Belo Horizonte".
E la nave va...
Pelo menos, enquanto houver água (doce) para navegar.
(fonte: blog da Kika Castro)
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