Texto escrito por José de Souza Castro:
Meu
terceiro emprego com carteira assinada foi na Petrobras. Fiz concurso
para auxiliar de escritório na obra de construção da Refinaria Gabriel
Passos (Regap), em Betim, e fui admitido em 1965. A Construtora Andrade
Gutierrez fazia ainda a terraplanagem, mas algumas obras civis já tinham
começado.
Eu
fui designado para a Seção de Fiscalização e lotado na Central de
Concreto. A empreiteira era a Bento Paixão S/A. Meu chefe era um
engenheiro experiente que começara na Petrobras praticamente desde sua
fundação, em 1953. O outro funcionário da Petrobras, nesta Central de
Concreto, era um servente que ficava no poeirento local em que cimento,
areia e brita eram misturados e transformados em concreto. Ele anotava a
metragem de concreto que saía e o tipo, pois em cada um havia gastos
diferentes, segundo uma tabela, de cimento, areia e brita.
A
brita era produzida, ali perto, numa pedreira da Bento Paixão, que
também se encarregava da compra da areia. O cimento era comprado pela
Petrobras. Havia três fornecedores: Itaú, Ciminas e Cauê. Eu fazia os
pedidos ao Setor de Compras da Regap, por telefone, e ele os repassava a
uma das três cimenteiras. O caminhão carregado de cimento era pesado
por um empregado da Bento Paixão, ao chegar e ao sair, e ele me
informava a quantidade de cimento fornecido, a partir do peso do
caminhão.
Era
um controle muito à base da confiança, mas tanto meu chefe, como a
superintendência da Regap, se mostravam satisfeitos com o sistema de
fiscalização. Ao fim de cada dia eu apresentava a ele um relatório e, ao
fim do mês, outro com informações consolidadas. Pelos meus cálculos,
não havia divergências entre concreto fornecido e cimento comprado. A
qualidade do produto era atestada por um laboratório de concreto
contratado pela Regap, pertencente a um conhecido engenheiro de Belo
Horizonte. E até onde sei, essa qualidade nunca foi contestada nestes
anos todos.
Eu
estava satisfeito com meu trabalho, pois sobrava tempo para estudar,
preparando-me para o vestibular de Medicina. Cheguei a fazer inscrição,
mas desisti das provas, pois passei num concurso para Operador de
Utilidades da Regap que exigiria trabalhar em turnos de oito horas.
Ganharia dez salários mínimos, e não podia abrir mão disso. Acabei
cursando jornalismo, a partir de 1968.
O que me incomodou, na Central de Concreto, foi o que aconteceu na véspera do Natal. O Sr. Bento Paixão, um conhecido socialite
casado com uma herdeira ricaça, apareceu por lá, num carrão novo, com
presentes para o engenheiro e para os dois outros fiscais da Petrobras:
eu e o servente. A mim, ele entregou um corte de casimira, para fazer um
terno. Não me lembro o que ganharam os outros dois, mas sei que um era
mais valioso que o meu, outro menos. Não pude recusar, pois meu chefe
aceitou seu presente com naturalidade, mas nunca mandei fazer o terno.
Acabei dando o corte para um amigo que precisava dele para seu terno de
casamento.
Esse
episódio volta-me à memória por causa do noticiário sobre a Petrobras.
Empresa da qual fui demitido, juntamente com milhares de outros
empregados que, por questões políticas, se recusaram a abrir mão do
estatuto da estabilidade, fazendo opção pelo FGTS. Era uma "opção"
obrigatória, imposta pelo então presidente da estatal, general Ernesto
Geisel.
Hoje
se diz que a Petrobras foi ocupada pelos partidos políticos. Naquela
época, ela havia sido, incontestavelmente, pelos militares. Não se lia,
na imprensa, ninguém que condenasse então esse movimento de ocupação.
Quando
fiz o concurso para Operador de Utilidades, havia oito vagas. Uma foi
preenchida por um tenente do Exército, sobrinho do general Serpa, que
dizia ter desistido da carreira militar para ser operador da Petrobras.
Não sei se ele fez o concurso. Gostava de discutir política. Eu não,
pelo menos com um antigo tenente do Exército. Um que embarcou na sua
onda “marxista” foi demitido no fim do segundo mês do curso de
treinamento, que era feito na Cemig, pois íamos operar a subestação
elétrica da Regap.
Um
dia após o AI-5, o “ex” tenente não apareceu para trabalhar. Logo
soubemos que ele fora nomeado interventor no Sindipetro, o sindicato dos
empregados da Regap, cujo presidente seria demitido da empresa. Quando
chegou a minha vez, fui ao sindicato. Queria entrar com ação trabalhista
contra a Petrobras. Não riram, pelo menos na minha cara, mas nada
podiam fazer a respeito, porque, afinal, eu já não era petroleiro.
Eu
era teimoso, e contratei um advogado que tinha sido vigilante da Regap e
fora também demitido antes mesmo da leva dos não optantes pelo FGTS.
Entramos na Justiça do trabalho e acabamos ganhando uma pequena
indenização. Mas não por termos sido injustamente demitidos.
Quando
Aureliano Chaves foi ministro das Minas e Energia, a Petrobras
recontratou, pagando indenização pelos anos não trabalhados, os que
perderam o emprego por questões políticas durante a ditadura militar. O
presidente do Sindipetro-MG era então um combativo sindicalista, Luiz
Fernando Maia, que trabalhara comigo na subestação elétrica como
ajudante de operador. Ele me procurou na sucursal do Jornal do Brasil,
para dizer que eu tinha direito à reintegração e à indenização. Mas
teria que voltar a trabalhar, pelo menos por alguns meses, na Regap.
Eu
estava satisfeito com meu emprego, e apenas agradeci a atenção dele.
Meu advogado – não sei por qual motivo, mas desconfio que tenha sido uma
forma de protesto – voltou à Petrobras como vigilante, pensando em
embolsar a indenização e ficar ali por pouco tempo. Logo depois morreu
num acidente de carro, ao voltar do trabalho.
Apesar
de tudo o que se diz agora, a Petrobras cresceu muito. Em pouco tempo,
será a quinta maior empresa energética do mundo. E tem reservas de
petróleo de causar inveja às outras, que gostariam de dividir com ela
essas reservas. Para isso, porém, é preciso mudar o governo. Fazer como
fizeram os amigos de Geisel com a economia brasileira.
Vamos
ver o que aconteceu com as três fornecedoras de cimento para a Regap. A
Companhia de Cimento Portland Itaú, criada depois do decreto 16.755 de
Getúlio Vargas, que concedia privilégios a cimenteiras nacionais que
usassem matéria-prima e combustíveis daqui, desativou sua única fábrica,
em Contagem, depois de uma longa batalha por questões de poluição
ambiental. O Grupo Lafarge, de origem francesa, que já era dono da
Cominci desde 1959, comprou em 1996 a Matsulfur, de Montes Claros,
construída pelo Grupo Asamar, de Minas, com recursos da Sudene. A Cauê,
de Juventino Dias, empresário mineiro, foi comprada em 1997 pela Camargo
Correa, uma das empresas que está sendo investigada agora pela Polícia
Federal por corrupção na Petrobras. E o setor cimenteiro, cobiçado pelos
grandes grupos internacionais, que se cuide.
Será
interessante ver o que acontecerá com a própria Petrobras, se o governo
não conseguir conter os ataques contra a estatal – e, principalmente,
contra o próprio governo Dilma Rousseff – ataques desfechados com o
apoio intenso da imprensa, a pretexto de combate à corrupção. Um velho
pretexto que causou, em 1954, a morte de Getúlio Vargas, o criador da
Petrobras, e que foi extremamente usado, como agora, às vésperas do
golpe militar de 1964, contra Jango Goulart.
Para
concluir, eu gostaria de pensar que nem todos os que ganham um presente
de empreiteira são corruptos. E que a maior parte não ganha.
(fonte: blog da kikacastro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário