segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Minha experiência na Petrobras

Texto escrito por José de Souza Castro:
Meu terceiro emprego com carteira assinada foi na Petrobras. Fiz concurso para auxiliar de escritório na obra de construção da Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, e fui admitido em 1965. A Construtora Andrade Gutierrez fazia ainda a terraplanagem, mas algumas obras civis já tinham começado.
Eu fui designado para a Seção de Fiscalização e lotado na Central de Concreto. A empreiteira era a Bento Paixão S/A. Meu chefe era um engenheiro experiente que começara na Petrobras praticamente desde sua fundação, em 1953. O outro funcionário da Petrobras, nesta Central de Concreto, era um servente que ficava no poeirento local em que cimento, areia e brita eram misturados e transformados em concreto. Ele anotava a metragem de concreto que saía e o tipo, pois em cada um havia gastos diferentes, segundo uma tabela, de cimento, areia e brita.
A brita era produzida, ali perto, numa pedreira da Bento Paixão, que também se encarregava da compra da areia. O cimento era comprado pela Petrobras. Havia três fornecedores: Itaú, Ciminas e Cauê. Eu fazia os pedidos ao Setor de Compras da Regap, por telefone, e ele os repassava a uma das três cimenteiras. O caminhão carregado de cimento era pesado por um empregado da Bento Paixão, ao chegar e ao sair, e ele me informava a quantidade de cimento fornecido, a partir do peso do caminhão.
Era um controle muito à base da confiança, mas tanto meu chefe, como a superintendência da Regap, se mostravam satisfeitos com o sistema de fiscalização. Ao fim de cada dia eu apresentava a ele um relatório e, ao fim do mês, outro com informações consolidadas. Pelos meus cálculos, não havia divergências entre concreto fornecido e cimento comprado. A qualidade do produto era atestada por um laboratório de concreto contratado pela Regap, pertencente a um conhecido engenheiro de Belo Horizonte. E até onde sei, essa qualidade nunca foi contestada nestes anos todos.
Eu estava satisfeito com meu trabalho, pois sobrava tempo para estudar, preparando-me para o vestibular de Medicina. Cheguei a fazer inscrição, mas desisti das provas, pois passei num concurso para Operador de Utilidades da Regap que exigiria trabalhar em turnos de oito horas. Ganharia dez salários mínimos, e não podia abrir mão disso. Acabei cursando jornalismo, a partir de 1968.
O que me incomodou, na Central de Concreto, foi o que aconteceu na véspera do Natal. O Sr. Bento Paixão, um conhecido socialite casado com uma herdeira ricaça, apareceu por lá, num carrão novo, com presentes para o engenheiro e para os dois outros fiscais da Petrobras: eu e o servente. A mim, ele entregou um corte de casimira, para fazer um terno. Não me lembro o que ganharam os outros dois, mas sei que um era mais valioso que o meu, outro menos. Não pude recusar, pois meu chefe aceitou seu presente com naturalidade, mas nunca mandei fazer o terno. Acabei dando o corte para um amigo que precisava dele para seu terno de casamento.
Esse episódio volta-me à memória por causa do noticiário sobre a Petrobras. Empresa da qual fui demitido, juntamente com milhares de outros empregados que, por questões políticas, se recusaram a abrir mão do estatuto da estabilidade, fazendo opção pelo FGTS. Era uma "opção" obrigatória, imposta pelo então presidente da estatal, general Ernesto Geisel.
Hoje se diz que a Petrobras foi ocupada pelos partidos políticos. Naquela época, ela havia sido, incontestavelmente, pelos militares. Não se lia, na imprensa, ninguém que condenasse então esse movimento de ocupação.
Quando fiz o concurso para Operador de Utilidades, havia oito vagas. Uma foi preenchida por um tenente do Exército, sobrinho do general Serpa, que dizia ter desistido da carreira militar para ser operador da Petrobras. Não sei se ele fez o concurso. Gostava de discutir política. Eu não, pelo menos com um antigo tenente do Exército. Um que embarcou na sua onda “marxista” foi demitido no fim do segundo mês do curso de treinamento, que era feito na Cemig, pois íamos operar a subestação elétrica da Regap.
Um dia após o AI-5, o “ex” tenente não apareceu para trabalhar. Logo soubemos que ele fora nomeado interventor no Sindipetro, o sindicato dos empregados da Regap, cujo presidente seria demitido da empresa. Quando chegou a minha vez, fui ao sindicato. Queria entrar com ação trabalhista contra a Petrobras. Não riram, pelo menos na minha cara, mas nada podiam fazer a respeito, porque, afinal, eu já não era petroleiro.
Eu era teimoso, e contratei um advogado que tinha sido vigilante da Regap e fora também demitido antes mesmo da leva dos não optantes pelo FGTS. Entramos na Justiça do trabalho e acabamos ganhando uma pequena indenização. Mas não por termos sido injustamente demitidos.
Quando Aureliano Chaves foi ministro das Minas e Energia, a Petrobras recontratou, pagando indenização pelos anos não trabalhados, os que perderam o emprego por questões políticas durante a ditadura militar. O presidente do Sindipetro-MG era então um combativo sindicalista, Luiz Fernando Maia, que trabalhara comigo na subestação elétrica como ajudante de operador. Ele me procurou na sucursal do Jornal do Brasil, para dizer que eu tinha direito à reintegração e à indenização. Mas teria que voltar a trabalhar, pelo menos por alguns meses, na Regap.
Eu estava satisfeito com meu emprego, e apenas agradeci a atenção dele. Meu advogado – não sei por qual motivo, mas desconfio que tenha sido uma forma de protesto – voltou à Petrobras como vigilante, pensando em embolsar a indenização e ficar ali por pouco tempo. Logo depois morreu num acidente de carro, ao voltar do trabalho.
Apesar de tudo o que se diz agora, a Petrobras cresceu muito. Em pouco tempo, será a quinta maior empresa energética do mundo. E tem reservas de petróleo de causar inveja às outras, que gostariam de dividir com ela essas reservas. Para isso, porém, é preciso mudar o governo. Fazer como fizeram os amigos de Geisel com a economia brasileira.
Vamos ver o que aconteceu com as três fornecedoras de cimento para a Regap. A Companhia de Cimento Portland Itaú, criada depois do decreto 16.755 de Getúlio Vargas, que concedia privilégios a cimenteiras nacionais que usassem matéria-prima e combustíveis daqui, desativou sua única fábrica, em Contagem, depois de uma longa batalha por questões de poluição ambiental. O Grupo Lafarge, de origem francesa, que já era dono da Cominci desde 1959, comprou em 1996 a Matsulfur, de Montes Claros, construída pelo Grupo Asamar, de Minas, com recursos da Sudene. A Cauê, de Juventino Dias, empresário mineiro, foi comprada em 1997 pela Camargo Correa, uma das empresas que está sendo investigada agora pela Polícia Federal por corrupção na Petrobras. E o setor cimenteiro, cobiçado pelos grandes grupos internacionais, que se cuide.
Será interessante ver o que acontecerá com a própria Petrobras, se o governo não conseguir conter os ataques contra a estatal – e, principalmente, contra o próprio governo Dilma Rousseff – ataques desfechados com o apoio intenso da imprensa, a pretexto de combate à corrupção. Um velho pretexto que causou, em 1954, a morte de Getúlio Vargas, o criador da Petrobras, e que foi extremamente usado, como agora, às vésperas do golpe militar de 1964, contra Jango Goulart.
Para concluir, eu gostaria de pensar que nem todos os que ganham um presente de empreiteira são corruptos. E que a maior parte não ganha.
(fonte: blog da kikacastro)

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