por Carlos Castilho
A estratégia da imprensa de usar a violência, catástrofes, dramas, crimes e acidentes para chamar a atenção do público já passou do limite da exaustão.
É irritante a insistência dos telejornais das redes de TV em
transformar o noticiário quotidiano num desfile de tragédias, atentados,
assassinatos, tiroteios e desastres naturais. Se o noticiário da TV
fosse um retrato fiel do mundo em que vivemos, todos nós acabaríamos
paranoicos.
Se a intenção é sacudir as audiências para despertá-las do torpor da rotina diária, o efeito está sendo justo o oposto. As pessoas se acostumaram de tal forma com doses maciças de violência, arbítrio, terror e intimidação que já não se importam mais com poucas vítimas. A imprensa não admite, mas uma estratégia baseada na avalancha contínua de narrativas violentas obviamente acaba por assustar, intimidar e consequentemente tornar as pessoas mais dóceis e submissas.
A insistência na divulgação de possíveis novos atos terroristas na
Europa tende obviamente a assustar os europeus na sequência do impacto
gerado pelo caso Charlie Hebdo, que foi tratado pela imprensa de todo mundo como uma espécie de “11 de Setembro” do Velho Mundo, numa
alusão ao atentado às Torres Gêmeas, em Nova York. O clima de medo
tende a imobilizar as pessoas e permite que as autoridades policiais
tenham liberdade total para violar privacidades e deter suspeitos sem
formalidades legais.
A estratégia da exploração da violência no noticiário, especialmente o da televisão, é indissociável da política do medo
porque uma é causa e consequência da outra. Mas o uso intensivo do
noticiário sobre violência no dia a dia dos telejornais acaba gerando
uma visão distorcida da realidade entre os telespectadores e aguça o
instinto de autodefesa, que por sua vez gera um fenômeno ainda mais
brutal.
Quando as pessoas internalizam a percepção de viver num ambiente
urbano violento, elas automatizam a reação de atacar antes de ser atacado, ao menor indício de uma ameaça.
É isso que as redações dos telejornais precisam tomar em conta na hora de elaborar as pautas porque, além de correrem o risco de perder telespectadores saturados
com a rotina de notícias sobre tragédias, elas podem estar alimentando a
própria violência social ao estimular o clima de medo.
O recurso ao noticiário chamado “policial” está também ligado à relação
cada vez mais promíscua entre repórteres e policiais. A página policial
dos jornais e o noticiário da TV acabaram se transformando em
estratégias de marketing da polícia, que facilita o acesso da imprensa
aos locais onde ocorreram delitos, prepara a cena do crime e fornece
porta-vozes que produzem declarações que seguem o media trainning, mas que não são contestadas pelo repórter.
Claro que há notícias envolvendo delitos praticados por policiais –
como abuso de autoridade, ocultação de vitimas, assassinato e tortura.
Em quase todas elas é incluída a declaração de algum superior
hierárquico informando que os acusados serão julgados e, se culpados,
exemplarmente punidos. Mas a imprensa dificilmente faz um seguimento do caso para saber se foram considerados culpados e se foram sancionados com a severidade prometida.
A imprensa ficou tão obcecada com o lado espetacular das tragédias,
crimes e desastres naturais que perdeu de vista a preocupação
educativa, como fornecer informações para que as pessoas superem as
dificuldades. O espetacular tende a gerar audiência e publicidade, já a
educação é bem menos comercial e mais social. É outra consequência da
abordagem da notícia como uma mercadoria comercializável em vez de um
fator de produção de conhecimento, ou seja, capacidade de tomar decisões
para enfrentar situações adversas.
Diante de tudo isso, e inevitável a pergunta: há alguma alternativa?
Evidente que há, mas as redações rotinizaram de tal forma o recurso ao
noticiário sobre delitos e tragédias naturais que simplesmente deixaram
de buscar alternativas para esse tipo de abordagem jornalística. Pior do
que isso, ironizam como jornalismo róseo as tentativas de sair
da armadilha do crime, tragédias e corrupção. Mas há luz no fim do
túnel, como mostra um grupo de jornalistas norte-americanos responsáveis
pelo projeto Solutions Journalism Network (Rede de Jornalismo de Soluções).
Pode parecer algo meio piegas ou filantrópico, mas está longe disso,
como mostram os depoimentos de empresas que aceitaram colocar em prática
as propostas da Rede, explicitadas num manual que pode ser baixado gratuitamente na internet. São sugestões simples, mas que partem de um giro de 180 graus na perspectiva das redações.
Em vez de olhar apenas por um lado dos problemas, os profissionais
vinculados à Rede propõem que repórteres e editores passem a olhar
também do lado contrário.
(fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/codigoaberto/post/o_rosario_de_tragedias_e_a_estrategia_editorial_do_medo)
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