Texto escrito por José de Souza Castro:
Conheci
Wolinski, não sei se no final da década de 60 ou início de 1970, lendo
"O Pasquim". Este jornal nasceu em junho de 1969 para substituir "A
Carapuça", que era editado por Sérgio Porto – o Stanislaw Ponte Preta –,
falecido no ano anterior. E morreu em novembro de 1991, no Rio, depois
de enfrentar por muitos anos a ferocidade de censores oficiais que não
tinham censo de humor.
Wolinski
foi assassinado neste 7 de janeiro, em Paris, por desconhecidos
igualmente mal-humorados que invadiram fortemente armados a redação do
jornal satírico "Charlie Hebdo" e mataram ali outras 11 pessoas. Entre
elas, quatro chargistas. Uma gente dura de matar.
Chamei
os assassinos de mal-humorados. Não é um bom adjetivo, diante da
gravidade do crime que cometeram. Vai muito além. A Associação Mundial
de Jornais e o Fórum Mundial de Editores expressam isso bem melhor, na
nota divulgada pouco depois do atentado em Paris:
"Com
61 jornalistas mortos em 2014 e o ano novo começando sob condições tão
terríveis, nós observamos que um ataque desta natureza atinge o coração
das liberdades que a imprensa da França defende tão apaixonadamente. Não
é apenas um ataque contra a imprensa, mas também contra a sociedade e
os valores pelos quais todos lutamos. Isto deve ser um alerta para todos
nós nos impormos contra o crescente clima de ódio que ameaça fraturar
nossa compreensão de democracia."
A
palavra democracia remete novamente a "O Pasquim", que foi lançado no
dia 26 de junho de 1969, com tiragem de 20 mil exemplares, exatamente
195 dias depois da publicação do Ato Institucional nº 5 que orientou o
golpe militar de 1964 rumo a uma longa e sangrenta ditadura. E que
instaurou a censura prévia e impôs uma coercitiva Lei de Imprensa ao
país
Em
novembro de 1970, depois que "O Pasquim" publicou uma sátira do quadro
de D. Pedro I às margens do Ipiranga gritando "Eu quero mocotó" em vez
de "Independência ou morte", toda a equipe responsável pelo jornal foi
em cana e só saiu da prisão em fevereiro de 1971.
Os
militares que esperavam com a prisão matar o jornal se decepcionaram,
pois ele continuou saindo com a ajuda de muitos colaboradores. Em alguns
momentos, com mais de 200 mil exemplares.
É
o que se espera que aconteça agora com o jornal francês, atacado, ao
que parece, por causa de suas charges irreverentes do profeta Maomé.
"O
Pasquim" só morreu três anos depois da Constituição de 1988. Já havia
cumprido sua missão de castigar, pelo riso, os costumes vigentes durante
a ditadura. E entrou para a história do jornalismo brasileiro, com os
traços irreverentes de Jaguar, Henfil, Ziraldo, Millôr, Prósperi,
Claudius, Fortuna, Gudacci, Redi, Laerte, Miguel Paiva, Angeli, Luscar,
Coentro, Duayer, Nilson, Nani, Edgar Vasques, Lailson, Santiago,
Mariano, Solda, Cláudio Paiva, Hubert, Alcy, Biratan, Mariza, Paulo e
Chico Caruso, Bosc, Crumb, Quino, Steinberg.
E Wolinski.
Para rememorar tais nomes, me vali de um artigo de Gregório Macedo, comemorando os 40 anos de "O Pasquim", em junho de 2009.
Aos
ditadores, reacionários e fanáticos de toda ordem que buscam extirpar o
humor da face da Terra, um aviso: não vão conseguir. Como mostra este artigo do "Portal O Tempo", chargistas do Brasil e do mundo inteiro não se renderão.
Publicados no mesmo dia da matança...
Notável também o artigo do veterano jornalista
brasileiro João Batista Natali sobre a história do jornal "Charlie
Hebdo". Ele nasceu de uma censura ao jornal satírico "Hara-Kiri":
"Em
novembro de 1970, morria aos quase 80 anos o general Charles de Gaulle,
militar, estadista e ex-dirigente da Resistência à ocupação alemã. Ele
se retirara, aposentado, numa pequena aldeia da Normandia,
Colombey-les-Deux-Églises. O jornal satírico "Hara-Kiri" estampou em
manchete: "Baile Trágico em Colombey: um morto."
A
publicação foi proibida de circular pelo então ministro do Interior, o
gaullista conservador Raymond Marcellin, com o aval do então presidente
Georges Pompidou, também gaullista.
Os
jornalistas e cartunistas do jornal decidiram então contornar a
proibição e lançaram o "Charlie Hebdo", versão semanal do mensal
"Charlie", que mantinham em homenagem a Charles Brown, personagem de
histórias em quadrinho do norte-americano Charles Schulz (1922-2000)."
Que
o terror não venha jamais a matar esse Charlie! Que não aconteça com
ele o mesmo que a "O Pasquim", que só começou a morrer, já nos
estertores da ditadura, quando terroristas passaram a incendiar bancas
que vendiam esse jornal. Metade delas se submeteu à ameaça. As vendas
despencaram. Mesmo assim, ele sobreviveu por mais alguns anos. Duro de
matar!
(fonte: blog da Kika Castro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário