Texto escrito por José de Souza Castro:
“Sentado
no [...] noite após noite, escutando a conversa de outras mesas, ouvi
muitos estrangeiros e [...] reclamarem da corrupção inerente a todos os
aspectos da vida pública e comercial em [...]. Minhas poucas semanas na
cidade já haviam me mostrado que essas queixas costumavam ser justas e
verdadeiras. Mas não existe nação livre da corrupção. Não existe um
sistema imune ao mau uso do dinheiro. As elites privilegiadas e
poderosas lubrificam as engrenagens do seu progresso com contribuições e
campanhas de doações nas mais nobres das assembleias. E os ricos, no
mundo inteiro, levam vidas mais longas e mais saudáveis do que os
pobres.”
É
um trecho de “Shantaram”, do escritor australiano David Roberts,
escrito na década de 1980 e publicado no Brasil em 2011 pela Intrínseca.
Quem leu aqui essas poucas linhas de um livro de 910 páginas pode ter
tido a impressão de que se falava do Brasil, aqui e agora. Entre os
colchetes, as palavras suprimidas para reforçar essa impressão, foram:
Leopold; indianos; Bombaim.
Tão longe – e tão pertos!
Não há brasileiros, sobretudo jornalistas, que não conheçam casos de corrupção. Eu me lembro de um episódio relatado no livro “Sucursal das Incertezas”
envolvendo uma estratégia do “Jornal do Brasil” para tentar sair de uma
crise, mais ou menos na época em que “Shantaram” era escrito dentro de
uma prisão da Austrália.
Nascimento
Brito, presidente e acionista do então importante jornal brasileiro,
queria vender a 15 grandes empresas bônus no valor de US$ 1 milhão cada.
Com os US$ 15 milhões, ele esperava resolver seu problema financeiro.
Em Minas, conseguiu a adesão das construtoras Mendes Júnior e Andrade
Gutierrez, além do banco estatal Credireal, já então endividado e com
dificuldade para receber empréstimos de clientes importantes concedidos
por interesses políticos. O governador chamava-se Newton Cardoso. O
diretor da sucursal encarregado por Nascimento Brito para ir conversar
com ele tentou argumentar que o jornal criaria relacionamento perigoso
com um político tido como desonesto. E ouviu, em resposta, o seguinte:
“É bandido, mas é meu amigo!”.
Sim,
é um caso velho, mas bem atual. Assim como o que ouvi, durante uma
entrevista exclusiva, do então poderoso presidente da Mendes Júnior,
Murilo Mendes: “O problema deste país é a corrupção”. Talvez o
vice-presidente Sérgio Cunha Mendes, que está preso acusado de
participação da construtora na corrupção na Petrobras, tenha algo a
acrescentar.
E um sem-número de jornalistas poderia relatar outros casos envolvendo corrupção de colegas e patrões.
Na
verdade, a corrupção se espalha em todo o organismo social. Há
ambientes mais propícios, outros menos. Políticos corruptos se sentem
confortáveis quando chegam ao Congresso Nacional, eleitos deputados ou
senadores. Independentemente do tempo de mandato. Agora mesmo, 41
suplentes de deputados federais e um de senador vão assumir um mandato
relâmpago, em pleno recesso parlamentar. Vão ganhar em janeiro, sem
trabalhar, salário de R$ 33,7 mil e mais benefícios pagos pelo
contribuinte brasileiro a todo parlamentar. Como o auxílio moradia de
até R$ 3.800.
Os
suplentes assumem o mandato-tampão no lugar de titulares licenciados
por terem sido eleitos governadores ou vices ou por terem sido nomeados
ministros ou secretários de Estado.
É
corrupção, sem dúvida, embora a maioria dos políticos ache que não.
Esse gasto inútil pago pelo contribuinte e que se renova periodicamente
poderia ser evitado, se os deputados e senadores da próxima legislatura
tomassem posse em janeiro e não mais em fevereiro. A corrupção, porém...
Segundo a “Folha de S. Paulo”, que publicou reportagem neste domingo
sobre o assunto, “um dos suplentes que assumiram agora, Sérgio Carneiro
(PT-BA) é autor de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) – nunca
votada – que antecipa a posse dos deputados para janeiro”. Justifica-se
Carneiro, por tomar posse agora: “Enquanto não mudarem a lei, paciência.
Mas é evidente que quem menos tem culpa na história é o suplente”.
Será?
Não é o que pensam os suplentes Edgar Moury, do PSB pernambucano, e
Domingos Leonelli, do PSB baiano, os únicos que, pelo menos até a
publicação da reportagem, enviaram carta à Câmara dos Deputados
renunciando à vaga. “Nunca ganhei sem trabalhar”, reforçou Leonelli, em
entrevista.
Sendo
verdade o que diz, ele está de parabéns, num país, o Brasil, em que
tantos rentistas – e políticos – ganham dinheiro sem trabalhar.
(fonte: blog da Kika Castro)
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