quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Dilma pode sentir na pele o golpe paraguaio

Texto escrito por José de Souza Castro:

Do blog do jornalista Ricardo Kotscho, que foi assessor de Lula, neste 4 de fevereiro: “Foi dada a largada. Em caudaloso artigo publicado domingo no Estadão, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu a senha: como não há clima para um golpe militar, a derrubada do governo de Dilma Rousseff deve ficar por conta do Judiciário e da mídia, criando as condições para votar o impeachment da presidente no Congresso Nacional o mais rápido possível.” Íntegra AQUI.
Do jornalista Acílio Lara Resende, arguto observador político tucano, em artigo que “O Tempo” publica hoje:
“Veja bem, leitor: além dos problemas por que passa o país – na economia, na educação, na saúde, na mobilidade urbana, na volta da inflação, nos transportes, no aumento do desemprego, na infraestrutura, na falta de água, na falta de energia etc, que envolvem responsabilidade direta do atual governo, a presidente terá que explicar o que de fato aconteceu, durante anos, na Petrobras; e, de lambuja, ainda correrá o risco de um impeachment, analisado, recentemente, em longo e minucioso parecer, pelo ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins.”
Concordo com Ricardo Kotscho, mas não acho que a largada foi dada agora, e sim quando o presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, nomeou, no dia 14 de junho de 2013, a nova embaixadora no Brasil, Liliana Ayalde, em substituição a Thomas A. Shannon, que ocupava o cargo desde 2009, final do governo Lula.
Shannon foi incapaz de impedir a eleição de Dilma Rousseff e, Ayalde, a sua reeleição. Mas não terá faltado esforço de ambos. Cabe agora à primeira mulher no comando da embaixada dos EUA no Brasil ajudar a impedir que a primeira presidenta do país governe por mais quatro anos. Pior, que possa ser sucedida, em 2019, por Lula.
Mas esse trabalho da embaixadora tem que ser feito de forma muito discreta, pois Obama, assim como Kennedy no começo da década de 1960, não gostaria de escancarar a ajuda dos Estados Unidos a um golpe para derrubar mais um governo democraticamente eleito. Kennedy sim, pois começou a governar em 1961 e só não viu a queda de João Goulart, em 1º de abril de 1964, porque ele morreu assassinado, em Dallas, quatro meses antes.
Toda a preparação para o golpe militar foi feita durante seu governo. Eu era adolescente em Lagoa da Prata, com menos de 5.000 moradores em 1962, e a cidade já era inundada com panfletos publicados pelo IBAD – muitos deles encartados em jornais do Rio de Janeiro e São Paulo – para preparar os brasileiros para o golpe militar. A USAID, agência na qual a atual embaixadora dos Estados Unidos trabalhou durante 24 anos, tendo sido diretora de missão na Nicarágua, Bolívia e Colômbia, antes de ser nomeada embaixadora no Paraguai, entre 2008 e 2001.
No Paraguai, ela preparou, com grande competência, o golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo. Os interessados podem ler AQUI um bom artigo escrito pela repórter investigativa brasileira Natália Viana. Foi publicado pela Agência Pública no dia 4 de fevereiro de 2013, oito meses depois que um conluio entre o Congresso Nacional e a Corte Suprema resultou no afastamento de um presidente eleito pela esquerda paraguaia. Natália expõe a forma como o governo dos Estados Unidos mantinha influência em todas as esferas de poder que foram fundamentais para a remoção de Fernando Lugo. Selecionei alguns trechos:
  • Na véspera do julgamento do impeachment que o destituiu da presidência do Paraguai em 22 de junho do ano passado, Fernando Lugo reuniu-se com o embaixador norte-americano James Thessin na capital Assunção. A reunião estava marcada havia muito tempo, bem antes da matança de Curuguaty – uma operação policial de reintegração de posse na região de Curuguaty que deixou 17 mortos no dia 15 de junho de 2012, e foi usada como argumento pelo Congresso para depor Lugo uma semana depois. Seguindo o protocolo, Thessin convidou Lugo para a recepção de celebração ao 4 de julho, data da independência americana, a ser realizada na embaixada, que toma um quarteirão inteiro no centro da capital paraguaia. “Mas você está me convidando para eu ir como presidente ou como cidadão?”, indagou Lugo.  “Como presidente, é claro”, tranquilizou-o Thessin. Lugo já não era mais o presidente do Paraguai no dia 4 de julho e não compareceu à cerimônia, que teve direito à execução dos dois hinos nacionais, refrescos e tira-gostos. A data marcava o fim de uma semana de trabalho duro em relação à deposição do ex-bispo da presidência e à ascensão do seu vice, o liberal Federico Franco, ao poder. Um trabalho que envolveu mais do que diplomatas americanos e foi realizado silenciosamente – os EUA só se pronunciaram sobre o Paraguai 20 dias depois do impeachment.
  • Lugo não estava errado ao indagar o embaixador americano sobre seu futuro quando convidado para o 4 de julho. Afinal, o apoio dos EUA é fundamental para o futuro de qualquer governo naquele país. As reticências dos americanos em relação à sua presidência foram bem descritas pela antecessora de Thessin na embaixada, Liliana Ayalde, que escreveu em telegrama enviado em 7 de dezembro de 2009, e vazado pelo Wikileaks: “Temos sido cuidadosos em expressar nosso apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”.
  • A influência americana sobre o Paraguai não é apenas uma questão diplomática. Através de doações administradas pela USAID de mais de US$ 100 milhões (em cinco anos) a empresas, ONGs e órgãos governamentais dificílimos de monitorar, os americanos garantiram a proximidade com diversas esferas de poder no país. “Atores políticos de todos os espectros nos procuram para ouvir conselhos”, resumiu a ex-embaixadora Ayalde no mesmo relatório confidencial. “E a nossa influência aqui é muito maior do que as nossas pegadas”, pontuou.
  • O treinamento das forças de segurança paraguaias estava entre os principais programas financiados pela USAID. Entre 2005 e 2010, cerca de mil militares e policiais foram treinados – a maioria em 2009, ano seguinte à posse de Lugo – e dali saíram alguns comandantes das Forças Armadas nomeados por Franco quando assumiu o poder. A Polícia Nacional foi a responsável pela operação que resultou na matança de Curuguaty. O Ministério Público, que baseou-se exclusivamente em depoimentos de policiais para atribuir aos camponeses a culpa pelo massacre, e a Corte Suprema, que negou dois recursos movidos pela defesa de Lugo, também foram contemplados com programas financiados pela USAID.
  • Documentos obtidos pela Pública através da Lei de Acesso à Informação dos EUA revelam que, antes mesmo da votação do impeachment, o encarregado da USAID por zelar pela democracia paraguaia já planejava seus passos com o novo governo: “Comecei a fazer reuniões internas para avaliar e traçar uma estratégia sobre a melhor maneira de manter o andamento dos programas no novo governo”, explicou Eschleman em um email às 17h20 do fatídico 22 de junho para a direção da Millenium Challenge Corporation (MCC), agência financiadora ligada ao Congresso americano. Observando que “às seis horas, Franco já deve ser presidente”, Eschleman escreveu: “Provavelmente vai levar alguns dias para saber quem serão os novos ministros e como podemos abordar a nova liderança para garantir não só estabilidade nos programas, mas a habilidade para caminhar adiante”. Mas, ressaltou, a mudança governamental significava “boas novas” para a USAID: “Franco e a sua equipe conhecem muito bem o programa Umbral porque trabalharam próximos a nós nos últimos anos”. Duas horas depois o diretor da USAID enviou outro email contando que, logo após o discurso de posse, o novo presidente nomeou novos ministros. Mais “boas novas”: “Tanto o ministro do Interior (Carmelo Caballero) quanto o novo Chefe da Polícia (Aldo Pastore) trabalharam conosco no programa Umbral, e são pessoas que chamaríamos de aliados!” Depois, sobre o ministro de Finanças, Manuel Ferreira Brusquetti, e o chefe de Gabinete de Franco, Martín Burt, celebrou: “Conhecem e respeitam a USAID, e trabalharam conosco no passado”.
  • Não era bem isso que dizia a embaixadora Liliana Ayalde nos despachos enviados em 2009 ao Departamento de Estado. Na mesma época em que destinava 2,5 milhões de dólares à Corte no programa Umbral, em um despacho diplomático Ayalde afirmava que a Corte, “ampla e corretamente”, era vista como corrupta, mais focada “em interesses políticos e pessoais do que em questões legais”. E escreveu: “A interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição”.
  • “O controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro”, escreveu no despacho, em 25 de agosto de 2009.  “A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados (oposição a Lugo) controlam esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte”.
  • Presente há cinquenta anos no Paraguai, a USAID sempre foi um forte braço da política norte-americana para o país. Um estudo detalhado sobre a sua atuação feito pelo Instituto Base Investigações Sociales (Base-IS), revela que a presença da USAID cresceu progressivamente no país a partir de 2008, quando Lugo foi eleito. “Em termos de fundos, houve um aumento importante na assistência norte-americana para o Paraguai: de US$ 17,25 milhões em 2007 para US$ 36,2 milhões em 2010”, diz o estudo. Porém, os fundos de assistência distribuídos a uma infinidade de ONGs e órgãos governamentais são difíceis de monitorar, como descobriram os pesquisadores do Base-IS. “É complicado conseguir fechar os números reais, porque os fundos provêm de diferentes fontes, inclusive dentro das USAID, a atores diversos, alguns deles diretamente ao governo ou canalizados por ONGs internacionais”, explica Marielle Palau, que coordenou o estudo. O quadro se complica com a tendência à privatização da assistência internacional. Desde o ano de 2000, os recursos da USAID repassados diretamente para empresas privadas americanas a título de consultoria vêm crescendo, e são elas que, na prática, comandam a distribuição do dinheiro em cada país. Somente no ano de 2010, 40 empresas faturaram mais de US$ 6,7 bilhões em contratos com a USAID – uma enorme fatia dos recursos da agência para aquele ano.
Raramente os Estados Unidos tiveram no Brasil um representante tão discreto como a embaixadora Liliana Ayalde, que fala fluentemente o português. E a USAID, tão serelepe nos anos 60 e 70, quase nunca aparece na imprensa brasileira. Gostam de trabalhar em silêncio, nos bastidores. Sem deixar pegadas.
Não precisam aparecer, pois têm quem o faça, com grande acesso à mídia – quando não a própria mídia e alguns programas, como o Millenium da Globo News. Entre os porta-vozes informais dos Estados Unidos, ousaria citar Fernando Henrique Cardoso e, por que não, Ives Gandra da Silva Martins – mas a lista é imensa. Após afirmar isso, recorro ao artigo de Kotscho, citado no início:
“O primeiro a responder prontamente ao chamado foi o sempre solícito advogado Ives Gandra Martins, 79 anos, que já na terça-feira apresentou a receita do golpe no artigo “A hipótese de culpa para o impeachment”, publicado pela Folha, em que o parecerista aponta os capítulos, parágrafos, artigos e incisos para tirar Dilma da presidência da República pelas “vias legais”.
Candidamente, Martins explicou na abertura do seu texto: “Pediu-me o eminente colega José de Oliveira Costa um parecer sobre a possibilidade de abertura de processo de impeachment presidencial por improbidade administrativa, não decorrente de dolo, mas apenas de culpa. Por culpa, em direito, são consideradas as figuras de omissão, imperícia, negligência e imprudência”.
E quem é o amigo José de Oliveira Costa, de quem nunca tinha ouvido falar? Graças ao repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha, ficamos sabendo nesta quarta-feira a serviço de quem ele está nesta parceria com o notório Gandra Martins, membro atuante da Opus Dei e um dos expoentes da ala mais reacionária da velha direita paulistana .
“Sou advogado dele”, explicou Costa ao repórter, referindo-se, também candidamente, ao seu cliente Fernando Henrique Cardoso, um detalhe que Martins se esqueceu de apresentar na justificativa do seu parecer a favor do impeachment de Dilma.
Conselheiro do Instituto FHC, o até então desconhecido advogado negou, porém, que a iniciativa da dupla tenha qualquer caráter político. FHC, claro, disse que só ficou sabendo da operação pelo jornal. São todos cândidos, esses pândegos finórios, que estão brincando com fogo, em meio à mais grave crise política e econômica vivida pelo país desde a redemocratização.”
E concluo com uma frase que encerra o artigo de Acílio Lara Resende, meu chefe na sucursal do “Jornal do Brasil” em Minas, nas décadas de 1970 e 80:
“Valha-nos Deus e… São Pedro!”

(fonte: http://kikacastro.com.br/2015/02/05/dilma-pode-sentir-na-pele-o-golpe-paraguaio/)

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